Coronavírus- Na senda dos Contratos em Geral


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Dr. José Rocha

 

O Direito, tal como inúmeras ciências, é bastante complexo e está em constante alteração e atualização, devendo por isso, todo o jurista cada vez mais pautar-se por uma simplificação, sendo sintético e não prolixo.

Infelizmente vivemos numa era em que se criam “elites” em todas as áreas, e o Direito não é exceção, todos são especialistas em algo, e todos se “arrogam de saber mais por isso”, sendo que, por vezes a eloquência demonstrada não passa a mensagem concreta de que o leitor espera ouvir ou alcançar.

Devemos cingir-nos, a discursos ou textos espontâneos e não” standards”, só porque fica bem aos olhos de quem lê, pois ao contrário do que se pensa, a espontaneidade é uma grande arma.

Focando-me no que me fez escrever esta rubrica:

Temos assistido, a inúmeras publicações nas mais variadas redes sociais que têm afirmado que o novo coronavírus, foi criado num laboratório na China tendo sido provocado com o intuito de contaminar a humanidade para controlar o crescimento populacional.

Conspirações à parte, vamos direcionar esta questão do vírus para a nossa ordem jurídica?

Então vejamos por exemplo, numa qualquer relação contratual assumida entre duas partes ou mais, ou seja , a celebração de um contrato, será este vírus razão para uma das partes dessa relação contratual se desvincular das obrigações assumidas ou contratualizadas?

Haverá na lei alguma disposição normativa capaz de fazer uma parte desvincular-se ou libertar-se das obrigações assumidas na relação contratual em virtude, por exemplo de um vírus?

O número de pessoas infetadas pelo coronavírus – “Covid-2019”, assim designado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) -, não para de aumentar, o que já desencadeou o cancelamento de inúmeros eventos internacionais à escala mundial, tais como, o Grande Prémio de Fórmula 1 da China, o Mobile World Congress (MWC) de Barcelona, Superliga Chinesa de futebol , alguns jogos das mais importantes ligas de futebol como a Serie A italiana, entre outros e ainda estão em risco os jogos Olímpicos de Tóquio.

Hoje, já se fala em mais de 2.700, mil mortos e mais de 80 mil infetados.

Perante este cenário de incerteza e risco, tem-se questionado se é legítima a exoneração das obrigações contratualmente assumidas por uma das partes, que fica impossibilitada de cumprir na sequência de um evento que constitui um caso de Força Maior?

Podemos dizer que o caso de Força Maior é um impedimento imprevisível, fora do seu controlo, que tornará a prestação da relação contratual absolutamente impossível de realizar.

Motivo esse que se tivesse sido previsto pelas partes faria com que não tivessem celebrado aquele concreto contrato ou, querendo celebrá-lo, fá-lo-iam com um conteúdo diverso daquele que seria celebrado sem a previsão daquele evento.

A Jurisprudência diz ainda por exemplo:

“Uma ideia de inevitabilidade, ligada a uma ação do homem ou terceiro e, em muitos casos, a fenómenos da natureza, que por serem incontroláveis e nem sequer previsíveis pela vontade do agente, não são passíveis de imputação pelas suas consequências, configurando-se como evento contra o qual nada pôde fazer por maior que tivesse sido a sua diligência”.

Colocamos a seguinte questão:

Representará o coronavírus, um motivo de Força Maior?

Ou seja, pode uma das partes num determinado contrato invocar este evento como forma de se liberar do cumprimento das obrigações assumidas e não lhe ser assacada a responsabilidade por danos e perdas resultantes desse incumprimento?

Vamos então fazer o exercício legal e subsumir a norma legal ao caso concreto.

O nosso Código Civil (CC) estabelece no artigo 790.º que “a obrigação se extingue quando a prestação se torna impossível por causa não imputável ao devedor“.

Ora, dúvidas não existem de que se existe um evento alheio à vontade do devedor que torna inexigível a prestação, nenhuma responsabilidade lhe pode ser imputada, sem prejuízo da restituição dos valores que o credor tenha, entretanto, pago ou prestado de acordo com o contrato em causa.

O nosso ordenamento jurídico consagra o princípio da presunção de culpa do devedor, artigo 799.º, n.º 1 do Código Civil, o que significa que terá de ser o devedor a provar que a não execução das obrigações contratualmente previstas não procedem de culpa sua.

Porém, estes casos não são pontuais, muitas das vezes, designadamente em relações comerciais duradouras, as partes acautelam as suas posições perante eventos imprevisíveis e alheios à sua vontade através de uma cláusula geral de Força Maior.

Com efeito, não basta a ocorrência do evento para que o devedor fique exonerado das suas obrigações. Será sempre necessário provar que aquele evento ocorreu fora do seu controlo e provar igualmente que não poderia, de forma razoável, prever o evento em causa, nem as suas consequências no momento da celebração do contrato.

Se tal, não lograr provado, a parte lesada pode reclamar a indemnização pelos danos e perdas sofridos em consequência do não cumprimento.

Assim, e em jeito de conclusão, podemos dizer que, o enquadramento do coronavírus como um caso de Força Maior, dependerá sempre de uma ponderação de fatores como o tipo de contrato celebrado, o negócio em causa e de uma ponderação sobre as circunstâncias reais e efetivas que originaram o incumprimento.

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